ATA DA DÉCIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 25-4-2000.

 


Aos vinte e cinco dias do mês de abril do ano dois mil reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezoito horas e trinta e três minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a comemorar a passagem dos quinhentos anos do Brasil, nos termos do Requerimento nº 70/00 (Processo nº 1160/00), de autoria da Vereadora Helena Bonumá, subscrito pelo Vereador Renato Guimarães. Compuseram a MESA: os Vereadores Renato Guimarães e Elói Guimarães, respectivamente 2º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre e Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, presidindo os trabalhos; o Senhor Luiz Pilla Vares, Secretário Estadual da Cultura; o Senhor Nilton Rodrigues Paim, Vice-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; a Vereadora Helena Bonumá, na ocasião, Secretária "ad hoc". A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, após, registrou as seguintes presenças: do Senhor Tarso Genro, ex-Prefeito Municipal de Porto Alegre; do Senhor Humberto Scorza, Presidente do Conselho Municipal de Saúde; da Senhora Wládia Paz, representante da Fundação de Educação Social e Comunitária - FESC; do Senhor Luiz Costa, Coordenador do Movimento "Aqui São Outros Quinhentos"; do Senhor José Nascimento, Coordenador Estadual de Museus. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Renato Guimarães, em nome da Bancada do PDT, fez uma reflexão acerca dos quinhentos anos de existência oficial do Brasil, analisando dados atinentes à evolução histórica e cultural de seu povo e mencionando os principais movimentos revolucionários ocorridos no País, no sentido de estabelecer a luta por liberdade, democracia e melhores condições de vida para todos. O Vereador Cláudio Sebenelo, em nome das Bancadas do PSDB e do PPB, destacou a importância das comemorações dos quinhentos anos de descobrimento do Brasil, tecendo considerações sobre elementos relacionados à composição étnica do povo brasileiro e destacando a riqueza e a qualidade de suas manifestações artísticas e populares, notadamente na música, na literatura e no esporte. O Vereador Hélio Corbellini, em nome da Bancada do PSB, discorreu sobre aspectos relativos à chegada dos portugueses ao Brasil, referindo-se às características observadas na política de colonização adotada por Portugal à época do descobrimento do Brasil e comentando as manifestações ocorridas em Porto Seguro - BA, alusivas aos quinhentos anos do País. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou as seguintes presenças, como extensão da Mesa: do Senhor José Fortunati, Vice-Prefeito Municipal de Porto Alegre; do Senhor Waldir Bohn Gass, Presidente do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre; do Senhor José Otávio de Souza, Coordenador da Exposição "Apesar dos Quinhentos Anos"; de representantes do Fórum de Articulação das Entidades Negras e Assessoria de Políticas Públicas; de representantes do Movimento Afro-Descendente e Jornal Consciência; de representantes do Movimento dos Moradores de Rua; de Conselheiros do Orçamento Participativo; de representantes do Movimento Maria Mulher; de representantes da Consciência Popular do Partenon; do Senhor Eduardo Amaro Radox; de representantes da União de Negros pela Igualdade - UNEGRO; de representantes da Casa do Poeta; de representantes da Cooperativa Visão do Novo Amanhã; de representantes da Reciclagem com Arte Morro da Cruz; das Senhoras Zeferina Maria Paula e Lana Campos. Após, foi dada continuidade às manifestações dos Senhores Vereadores. O Vereador Elói Guimarães, em nome das Bancadas do PTB e do PMDB, salientou a necessidade de uma reflexão profunda acerca da evolução da sociedade brasileira ao longo do período de colonização do País, fazendo um diferencial entre os conceitos técnicos de governo, nação e território e destacando a importância da imigração européia para a formação étnica do Brasil. Na oportunidade, o Senhor Presidente informou que o Senhor Luiz Pilla Vares ausentar-se-ia da presente solenidade, em função de compromissos anteriormente assumidos, e convidou a todos para, após o encerramento da presente Sessão, participarem da abertura da exposição "Populações Indígenas no Sul do Brasil", a ser realizada na Avenida Cultural Clébio Sória. Em seguida, foi dada continuidade às manifestações dos Senhores Vereadores. O Vereador Reginaldo Pujol, em nome da Bancada do PFL, saudou o transcurso dos quinhentos anos de descobrimento do Brasil, declarando que a identidade étnica e cultural do País moldou-se através da atuação das diversas raças que compõem o povo brasileiro e propugnando pela adoção de medidas que façam do Brasil um país soberano, economicamente livre e socialmente justo. A Vereadora Helena Bonumá, em nome da Bancada do PT, externou suas opiniões com referência à abordagem feita por historiadores, jornalistas e políticos no que diz respeito à chegada dos portugueses ao Brasil e o relacionamento destes com as populações indígenas que habitavam o país à época, tecendo críticas ao modo como o Governo Federal organizou as festividades dos quinhentos anos do Brasil. A seguir, foi realizada apresentação artística pelo Senhor Eduardo Amaro Radox, e o Senhor Presidente informou que o Senhor Nilton Rodrigues Paim ausentar-se-ia da presente Sessão, em função de compromissos anteriormente assumidos. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Senhores Maria Rodrigues e Fernando Moreira, representantes, respectivamente, do Movimento Popular e do Fórum de Articulação das Entidades Negras, que destacaram a importância do registro hoje realizado por este Legislativo, acerca dos quinhentos anos do Brasil, bem como do debate acerca da situação social verificada no País ao longo desse período. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra à Senhora Vandelina Voigt, representante da Coordenação Estadual da Central dos Movimentos Populares - Setorial de Mulheres, que apresentou poesia intitulada "Margarida", e foi realizada apresentação artística pelo Coral CECUNE. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às vinte horas e vinte e oito minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Renato Guimarães e Elói Guimarães, este nos termos do artigo 13, § 2º, do Regimento, e secretariados pela Vereadora Helena Bonumá, como Secretária "ad hoc". Do que eu, Helena Bonumá, Secretária "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 

 


O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada a comemorar a passagem dos quinhentos anos do Descobrimento do Brasil, nos termos do Requerimento nº 70/00, de autoria do Ver.ª Helena Bonumá.

 Convidamos para compor a Mesa o Sr. Luiz Pilla Vares, Secretário Estadual da Cultura e representando o Ex.mo Sr. Governador do Estado; o Sr. Nilton Rodrigues Paim, Vice-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

Registramos as presenças do Sr. Tarso Genro, ex-Prefeito da Cidade de Porto Alegre; do Sr. Humberto Scorza, Presidente do Conselho Municipal de Saúde; da companheira Wládia Paz, que representa aqui a Fundação de Educação Social e Comunitária - FESC; dos Vereadores que aqui se fazem presentes como o Ver. Cláudio Sebenelo, do PSDB; do Ver. Elói Guimarães, do PTB; do Ver. Hélio Corbellini, do PSB; da Ver.ª Helena Bonumá, do PT;  do Sr. Luiz Costa, Coordenador do Movimento “Aqui São Outros Quinhentos”; do Coordenador Estadual de Museus, Sr. José Nascimento.

Convidaríamos, inicialmente, o Ver. Elói Guimarães, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa, para presidir a nossa Sessão para que este Vereador possa fazer uso da palavra.

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. Renato Guimarães está com a palavra.

 

O SR. RENATO GUIMARÃES: (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É importante destacar que esta Sessão Solene, na realidade, é realizada na continuidade da semana que serviu como grande marco. Não como alguns queriam, do festejo dos quinhentos anos, mas, sim, de um grande marco de reflexão sobre o que são esses quinhentos anos, que História é essa construída nesse período.

É importante aqui fazer o registro, não só em nosso nome, da Bancada do PT - e a companheira Ver.ª Helena Bonumá, se manifestará também -, mas em nome dos movimentos populares, da luta indígena, da luta dos negros, da luta das mulheres, de que tentaram, sim, fazer uma grande panacéia, uma grande festa.

Uma festa onde nós, povos, negros, índios, movimentos populares, trabalhadores, movimentos sem-terra, não iríamos, de forma alguma, participar da tal caravela lá constituída, que não conseguiu rumar pelos mares, onde não havia espaço para o povo brasileiro. Aquela era uma caravela que, com certeza, estava construída para ser o marco, a representação de um País que não existe. Com certeza, também era a intenção de se mostrar para o resto do mundo uma outra história. Não uma história de invasão, uma história de sacrifício, de morte, uma história de luta e de resistência, mas uma história de um colonizador que chegou aqui e construiu tudo de bom que aqui existe. Essa, sim, era a tentativa de fazer com que o mundo visse todas as questões que estão aqui colocadas de forma a que toda a luta do povo que é feita para ter mais educação, saúde, habitação, não aparecesse, que não constasse o registro da invasão, do saque, das “Veias Abertas da América Latina”, do sangramento que ocorreu nesses quinhentos anos, principalmente naquele período de colonização.

A história que os festejos queriam mostrar é sobre um povo passivo, que viu tudo isso e não lutou. Mas o registro que temos a obrigação de fazer, hoje, nesta Sessão Solene, é que a nossa história foi feita com muita resistência, com muita luta; com marcos históricos como o Quilombo dos Palmares, Canudos, Cabanagem, Farrapos, pelas lutas mais recentes como a resistência aos anos de Chumbo da Ditadura Militar, por todo o movimento das Diretas Já, e tudo aquilo que povo conseguiu e fez nesses quinhentos anos.

É importante que se diga isso, porque para alguns é vendida a mensagem, de forma negativa, de que o povo é ordeiro, é pacato, de que não resiste, mas essa não é a verdade da nossa história. Se formos fazer uma leitura apurada, o nosso povo resistiu muito, resiste e luta muito. Tudo o que foi construído até hoje é fruto dessa luta. É importante que se faça esse registro, e que se diga, por exemplo, que o que ocorreu nesta última semana não foi diferente do que a elite colonial, a elite do Império, a elite da República, a elite deste País, durante esses quinhentos anos, vem fazendo conosco.

Foi o mesmo que ela fez nesta semana dos ditos festejos: bateu em índio, reprimiu o povo e os movimentos populares que tentaram vender, sim, a sua versão da história. Então, a elite, em um momento que queria vender a sua versão, conseguiu dar o atestado do que ela fez nestes quinhentos anos neste País.

Fica para nós a grande pergunta: será que com tudo que aconteceu, não serviu a todos nós para que façamos uma reflexão sobre a necessidade de nós mesmos nos autodescobrirmos? Será que o que ocorreu nesta semana não é uma mensagem, a nós, da grande necessidade de fazermos essa necessária descoberta da nossa luta, da nossa origem, na nossa história? Acredito que, se tinha algo para ficar mais marcante, Ver. Reginaldo Pujol, e o Governo de Fernando Henrique conseguiu, foi, de fato, fazer com que o povo se descobrisse, se desse conta de que esses quinhentos anos foram feitos com muito suor, muito sangue, mas não o sangue da elite brasileira, que só usurpou, que só carregou, levou para fora. Esses quinhentos anos foram construídos, basicamente, por muita luta e resistência do nosso povo.

Gostaria de deixar um registro que não é meu, não é de um militante de esquerda, de um vereador, ou de uma vereadora do Partido dos Trabalhadores, é de um ex-representante do Governo Federal. “Essas comemorações começaram com a destruição do monumento feito pelos índios e acabaram com a repressão à marcha. Parece que o que aconteceu em uma semana foi o mesmo que ocorreu nesses quinhentos anos”. Quem falou isso foi o Presidente da FUNAI, dizendo, com suas palavras, que tudo o que foi feito ao povo, ao índio, ao negro, conseguiu-se, nesta semana, dar um atestado de igual teor, ou seja, bateram, prenderam, reprimiram o povo, os trabalhadores deste País.

É este o registro que queremos deixar nesta Sessão Solene. Temos muitos motivos para comemorar, mas não seria esse o motivo para comemorarmos, mas, sim, fazermos uma profunda reflexão de por que um País rico, com um povo com tamanha resistência, que faz a luta, continua tendo índices tão negativos em relação à educação, à saúde, ao progresso, à questão econômica. Pensávamos em fazer desta Sessão algo que fosse além das nossas falas, que contasse com um conjunto de atividades que representassem essa luta que sempre reafirmamos aqui. Está sendo lançada, hoje, uma exposição montada pela UFRGS, que mostra a história dos Caigangues e dos Guaranis aqui na região Sul. Haverá outras atividades e é uma pequena marca que a Câmara de Vereadores está fazendo nesse primeiro momento de reflexão.

Se alguns dizem que agora são outros quinhentos, dizemos que não, que aqui sempre foram outros quinhentos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): O Ver. Cláudio Sebenelo está com a palavra e falará em nome da sua Bancada, o PSDB, e pela Bancada do PPB.

 

O SR. CLÁUDIO SEBENELO: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) (Lê.)

“Meus ouvidos ainda registram o privilégio dos acordes de Vangelis, da trilha sonora de Descoberta do Paraíso, história de Cristóvão Colombo e de sua chegada à América. Há um profundo misticismo na magia das descobertas, na descoberta de pessoas com as suas riquezas interiores, das verdades perseguidas, históricas e geográficas. Mas, mais do que nos descobrimentos unilaterais, pela mística, as descobertas vivem, imprescindivelmente, da trilha sonora. Elas comovem nossa existência, excitam o inconsciente coletivo, junto com o perigo compõem a força motora da vida, num dueto de desafios.

Há poucos dias, o meu irmão e nobre Vereador, advogado Juarez Pinheiro, foi o primeiro da Bancada do PT a fazer o necrológico cívico do Brasil. Falava do genocídio dos nossos índios, do escravismo e suas seqüelas e do nosso pensamento colonizado. Debitou às metrópoles, fossem elas Lisboa, Londres ou Washington, que admitiam um só sentido econômico, sempre a seu favor, as nossas desgraças.

Sim, todos nós entendemos a inspiração depressiva do qualificado orador, apenas ela nos pareceu contaminada pelo ranço da orquestração, flagrada, posteriormente, no uníssono da esquerda reacionária nacional. Na demasia do ‘nada a festejar’, uma compreensível vizinhança com o processo eleitoral de outubro deste ano.

Em contraponto, passados três dias do dia 22 de abril, o dos cinco séculos, gostaria de dividir, com todos os nossos nativos, a descoberta de um país e de expor as nossas expectativas.

Ocorria um jogo de futebol entre o Brasil e a Argentina. Estádio lotado. O espetáculo inicia com o belo hino dos argentinos e, a seguir, o nosso. A multidão emudece quando quatro negros, com gargantas educadas com orfeônica magistral, cantam de uma forma tão linda como jamais pensei.

E, no milagre da descoberta, não somente uma nova forma guerreira do ‘pátria amada, idolatrada’ de Francisco Manuel da Silva e Osório Duque Estrada: apossou-se daquele povo um orgulho imenso da mestiçagem brasileira. Invadiu-nos, arte e artistas, a história triste de opróbrio, de miséria, seja nas plantações ou nas favelas. Calou profundo, no entanto, a resposta do negro, sem perder a dignidade, com o sincretismo religioso, com diversas formas de alegria, de sensualidade, dor-de-cotovelo, samba, maxixe, maracatu, dança, músicas, versos, charme, veneno e batuque. A vitória sobre o etnocentrismo do branco tem sido feita da mais lenta perseverança.

Amamos a poesia de Cruz e Souza. Manoel Bandeira; Vinícius; Drummond e Quintana acompanham, da cabeceira, as nossas noites de sonhos e pesadelos nacionais.

Quando o Brasil comemorou o Sesquicentenário de sua Independência, o Maestro Isaac Karabtchwvsky regeu a Orquestra Sinfônica Brasileira na sexta hora da tarde, na hora da Pátria, do riacho Ipiranga. De Louis Gottschalk, - um americano apaixonado pelo Brasil e amigo íntimo de Dom Pedro II, compositor que morreu de malária, nos anos 80 do século XIX, no Rio de Janeiro - foi executada a ‘Grande Sinfonia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro’. Miguel Proença, grande pianista gaúcho, termina todos os seus concertos internacionais com essa pequena obra-prima sobre o Hino Nacional.

Líamos, em um jornal paulista, a cópia de uma carta de Monteiro Lobato a Menotti Del Picchia, devolvendo o lugar na Academia Brasileira de Letras. Quanta dignidade no gesto. Parece mentira que era um brasileiro, aquele, do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Essa nova etnia brasileira desperta sua paixão por Heitor Villa-Lobos. Dentro de poucas semanas, o País inteiro verá, nas telas, a história de sua vida. Como em toda a sua obra, o Prelúdio nº 3, em Lá Menor, para violão, miscigena uma parte do Brasil com Johann Sebastian Bach. Ambos geniais. A Lenda do Uirapuru, a Sinfonia Amazônica, as Bachianas, cantada por Maria Lúcia Godoy e por uma negra divina, chamada Elizeth Cardoso, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, superlotado - numa escala abaixo da partitura original - o respeito do mundo pelo Villa-Lobos, que tem uma estátua em Washington, em frente da Casa Branca, nos fazem pensar num Brasil potente e competente, erudito e popular, miscigenado, vivendo sem preconceitos.

Há um gauderiar pelo fantástico nas partituras de Antônio Carlos Brasileiro Jobim, de Tereza da Praia, de Manhã de Sol, de Wave, de A Sabiá, onde, com Chico Buarque de Hollanda nos fala revolucionariamente da volta. A valsa Luísa, os Anos Dourados, o clássico Garota de Ipanema. Música popular brasileira quase, muito próxima do erudito.

A emoção toma conta de João Gilberto quando sola Desafinado, Chega de Saudade, ou Aos Pés da Santa Cruz, com sua voz de falsete, com sua inconfundível batida invertida da mão direita e seus dissonantes, de extremo bom gosto. A delicadeza da sua voz foi um libelo contra o melodrama das gargantas hercúleas.

Brasil, da Aquarela do Brasil, do Ary - se esmolambando Na Batucada da Vida -; a Paulicéia Desvairada, de Oswald de Andrade; Brasil, de Oswaldo Cruz, do turco-paraense Adib Jatene, do Oscarito, que era o nosso Chaplin da Atlântida; Brasil, da Tônia Carreiro, do Ney Latorraca, do Paulo Autran, da Cacilda Becker, dos bares, dos botecos, da caipirinha, do ‘mulato inzoneiro’, do ‘Oi, Nóis Aqui Traveis’.

A genialidade de Caetano em Sampa, hino nacional paulista, não aparece somente em sua obra musical. Sua postura tropicalista, baiana, independente e criativa nos faz crer em uma nova forma de país. Como um novo Aleijadinho, sua arquitetura musical revoluciona a música nativa com instrumentos eletrônicos miscigenados com os primitivos.

Vibramos ao contar para as mais novas gerações os Casos do Romualdo, do grande Simões Lopes Neto. Mexe profundamente com nossos brios a poesia de Aureliano de Figueiredo Pinto e O Vento, de Ribeiro Hudson.

Há um outro hino nacional em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: ‘Quando o verde dos teus óios se espaiá na plantação’, um gosto de raiz no autóctone barroco mineiro, em suas modinhas, enquanto João Hubaldo Ribeiro encanta nossas noites domésticas com O Sorriso do Lagarto.

O país chorou, parou convulsivamente vendo Ayrton Senna ir embora, morrendo ‘ao vivo’, nas barbas de cento e sessenta milhões de brasileiros atônitos. Pior do que não existir é perder um ícone, paradigmático, e, com ele, nossa auto-estima coletiva.

O entranhado ideal monárquico continuou-se com outros reis: o inigualável futebol do Rei Pelé, o doce Rei Roberto Carlos, e até em homenagem à mau-caratice nacional, país dos ‘macunaímas’ de Mário de Andrade, entre todos os reis, um Joaquim Silvério.

Uma chegadinha na Praça da Alfândega, seja para matar a aula ou uma Sessão chata na Câmara, nos concederá oportunidade gratuita de entrar no MARGS e respirar o gênio de Cândido Portinari, as cabeças estilo Modigliani, de Alice Bruegemann, o barroco missioneiro, de índios e jesuítas, pinturas de Ado Malagoli ou Iberê Camargo e, além das esculturas em bronze de Chico Stockinger, uma sala toda de Aldo Locatelli.

Em qualquer livraria temos acesso à trilogia O Tempo e o Vento, do Érico Veríssimo; Dona Flor e seus Dois Maridos, do Jorge Amado por toda a Bahia; Sagarana, de Guimarães Rosa; Casa Grande e Senzala; de Gilberto Freire; Contos, de Clarice Lispector; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda; Guerra dos Farrapos, de Walter Spalding. E, em letras garrafais, ANA NERI, ANITA GARIBALDI.

Em qualquer casa de discos, estão à mão os CD’s do Chico:

 ‘... Como? Se na bagunça do armário embutido/ teu paletó abraça o meu vestido/ e o teu sapato ainda pisa no meu?’

ou ‘Se você sentir saudade,/ por favor, não dê na vista,/ bate palmas com vontade,/ faz de conta que é turista.’

Ou, ainda, numa velha Revista do Rádio, a letra do imenso Orestes Barbosa em Deusa do Cassino:

‘A tua boca vermelha;/ Com a copa se assemelha; /No seu feitio e na cor;/ Boca que vale um tesouro;/ Vale mais que ás de ouro;/ Numa seqüência de amor.’

ou ‘Tu pisavas nos astros, distraída...’

Do nosso Mário Quintana, brincando com a sexualidade, em Solau à Moda Antiga: ‘Minha senhora;/ Eu lhe amo tanto;/ Que até pelo seu marido;/ Me dá um certo quebranto.’

Ou, o então inédito do Lupi, pela Betânia: ‘Milhões de diabinhos martelando,/ meu pobre coração que, agonizando, /já não podia mais de tanta dor’.

Ou do Martinho da Vila:

‘Livres das algemas das senzalas;/ Presos à miséria das favelas.’

A voz é de Adriana Calcagnotto: ‘E o meu coração embora/ tente fazer mil viagens,/ fica batendo, parado,/ naquela estação.’

Ou do trabalhador brasileiro, ‘bêbado e equilibrista’, que faz, diariamente, este País da Elis, do Rubinho, do Flamengo, do Corintians, do Grenal, das novas tecnologias, transplantes, violência, desgraça em tamanho ‘continental’.

Aquela bandeira drapejando no alto. Aquela letra, altiva e desaforada, de um brasileirismo nascente em Dom Pedro I, versos de amor a um país no Hino da Independência. Aquele alferes de olhar amigo, triste, de partida, o primeiro messias nacional. Aquele mapa tomando um jeito de coração, Ver. Juarez Pinheiro, meu irmão, meu amigo.

Dia 22 de abril do ano 2000 é dia de festa, da nossa brasilidade extravasando por todos os poros. É o dia dos esfaimados, é o dia dos excluídos, dos retirantes, do Zumbi dos Quilombos, do vergonhoso episódio dos Bandeirantes, da preação de índios, dos heróis, da seca, mas é também o dia das Águas de Março, da Amazônia, do Pantanal, do Saci-Pererê. Da passagem do medieval para a modernidade. Do boitatá, do bumba-meu-boi, do carnaval de Olinda; dia de Copa do Mundo; tarde de Maracanã cheio; do vaqueiro de Marajó, do seringueiro, dos bóias-frias; do Patriarca da Independência, gente finíssima, chamado José Bonifácio; da Ana Botafogo; da Bidu Saião; da Fernanda Montenegro, de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul; da nossa Chácara das Pedras e do antigo Menino Deus.

Como os sanitaristas, desenvolvamos o saudável, ao invés de tratar só a doença; promovamos a saúde, o lado bom da balança, o puxar para cima, incluindo todo o País na sua festa e, quem sabe, estaremos descobrindo e confraternizando com um novo país?

Quem sabe, incluamos nestas citações, o amanuense comum de uma repartição pública, com pequeno salário, vivendo com dignidade, exemplo para os colarinhos-brancos. ‘Homem médio brasileiro, massificado, em rebelião’, como diria Ortega y Gasset, na Rebelião das Massas?

Segundo o pensador, físico, filósofo e matemático francês Michel Sèrres, o Brasil tem todas as dificuldades que hoje tem o mundo, mas, em suas entranhas, as soluções, por ser continental e pluralmente miscinegado. Estamos, com todas as nossas vicissitudes, conseguindo plasmar um tipo brasileiro. E isto tem de ser comemorado. Tem de haver festa!

Hoje se festeja o trabalhador do ABC paulista, que passa viajando tanto quanto a jornada de trabalho, e no fim do dia falta descanso para o excesso de horas. Se chorarmos os desempregados, festejemos os sem-terra, respeitando-os com o avanço de um programa agrário reformista, festejemos os empresários, os micro e os macro, as culturas alienígenas incorporadas, a pele clara dos sulinos, os caigangues, os Mbyás-guaranis, o Guga Kuerten, o João do Pulo, a beleza da Maureen Haggi - com seu salto estilístico.

Não deixemos de torcer pelo Brasil nas Olimpíadas alegando corrupção, fome, pobreza internas. Mas, sim, hipertrofiemos nossa face saudável em detrimento de um lado doentio. Bendita mescla racial!

E, se sobrar um tempinho, falemos de democracia, de liberdade, de igualdade, de solidariedade humanas, de um país melhor, mais otimista, com renda melhor distribuída, dos nossos idosos, como aquele velho morubixaba, respeitado e amado, ouvido e imitado em sua tribo, na guerra e na paz.

Sem ufanismos, sem nacionalismos fanatizados, sem xenofobias, salve - como não? - os quinhentos anos da chegada, da DESCOBERTA do Brasil!

Mas salve uma outra descoberta, que fiz escrevendo este hino de fé, felicidade em ser um anônimo, modestíssimo, mas um orgulhoso do seu País. Aqui, BRASILEIRO, com todas as letras, quero terminar meus dias”! Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): O Ver. Hélio Corbellini está com a palavra, pelo PSB.

 

O SR. HÉLIO CORBELLINI: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa.) Saudamos também aos demais presentes companheiros do PSB, aqui presentes. Nós falamos em nosso nome e em nome do Ver. Carlos Alberto Garcia e, também, o Movimento Quilombista do Partido Socialista Brasileiro.

Nós, brancos, insistentemente e de forma correta, sempre lembramos ao mundo de algum genocídios como, por exemplo, o genocídios acontecidos na II Guerra, com os judeus, os poloneses, os russos, ciganos. Mas poucas vezes nos preocupamos, afinal de contas, qual é o tamanho do genocídio brasileiro. Quatro milhões de índios foram eliminados; negros, não saberia dizer quanto e nem as anônimas mulheres nos guetos sociais, que ainda permanecem, também não sabemos dizer. Mas é grande o nosso genocídio. (Lê.)

“Quais 500 anos? E o que está por trás de tantas comemorações, eventos, propagandas institucionais, despertando o interesse de todos sobre este assunto, como se comemorar os quinhentos anos fosse relevante para o desenvolvimento humano com justiça e democracia, que tanto lutamos e queremos?

Sem dúvida, o Brasil contemporâneo é o resultado da suposta ‘descoberta’ efetuada por Pedro Alvares Cabral, no dia 22 de abril de 1500, que descobrimos, há muito pouco tempo, há uns trinta ou quarenta anos, que não era em maio e sim no dia 22 de abril. Não apenas pelos aspectos positivos, relacionado à integração das culturas e raças, mas também pelos negativos, como a exclusão, a miséria, a concentração de riqueza, o preconceito, o patrimonialismo, no qual não existe divisas entre o público e o privado. Aliás, a título de curiosidade, no final de sua carta, Pero Vaz de Caminha pedia uma ‘especial atenção’ para um determinado parente seu, inaugurando o chamado ‘jeitinho brasileiro’, termo esse embuído de muito preconceito. A colonização portuguesa, iniciada em 1532, trouxe consigo duas características básicas que percorrem toda a história brasileira, da descoberta até os nossos dias: a escravidão e patrimonialismo.

Dos nossos quinhentos anos, quatrocentos foram regidos pelo estatuto da escravidão, onde o trabalho e a produção eram realizados apenas pelos negros africanos. Aí está a nossa marca, nós somos herdeiros da escravidão, pelo menos, nós trabalhadores; se não herdeiros pela cor, herdeiros sociologicamente, porque vivemos às custas de nosso próprio trabalho. No confronto histórico entre capital e o trabalho, nós defendemos o trabalho nessa disputa. O negro representa o trabalho e não o capital, por isso não é exagero dizer que somos negros de certa maneira, negros que foram e são discriminados. A história do Brasil poderia ser muito bem contada nos bancos escolares, nas academias e nos livros como a história do preconceito e da discriminação do negro e do índio, que, dia após dia, lhe é negado o livre direito da cidadania e a livre expressão, como foi visto nas manifestações de Porto Seguro. Essa é a história que tentam nos esconder, sendo propagandeada uma versão elitista. O campeão de vendas de livros sobre a história do Brasil, Jornalista Eduardo Bueno, ou Peninha, em suas obras, com uma estrutura narrativa bem construída reforça essa visão, abordando apenas aspectos cotidianos da descoberta do Brasil e não abordando analiticamente o conteúdo da colonização, que moldou nossa cara como Nação.

Remontamo-nos à pergunta inicial: Quais 500 anos? Quando os colonizadores portugueses aqui chegaram, promoveram um grande festival de massacre de índios, eram os portadores da civilização ocidental e utilizando essa prerrogativa acabaram com as sociedades indígenas que habitam o nosso País há milhares de anos. Portanto, afirmar que o Brasil tem 500 anos é considerar que temos história somente porque o branco civilizado nos colonizou; eles nos negam o direito de construir a nossa história que está ligada diretamente ao índios. O que conhecemos por Brasil, e lutamos há décadas por uma sociedade livre, tem bem mais do que 500 anos, mas, então, acreditamos que os índios não têm história ou só vale como parâmetro histórico europeu.

O Brasil até hoje é uma sociedade patrimonialista. Em séculos passados, ser ‘amigo do rei’ era o que importava. O território nacional foi distribuído para os amigos do rei e esses exploravam como bem lhes convinha. Hoje é muito diferente? Ou não existe uma confusão proposital entre privado e público, onde as elites dirigentes moldaram e moldam o estado nacional aos seus interesses particulares? Poderíamos citar centenas de exemplos, antigos e atuais, onde o privado prevalece sobre o público. Por isso, a nossa luta pelo controle público sobre o Estado, uma luta legítima e histórica. É preciso democratizar o poder, tornando o estado nacional uma ferramenta de bem-estar dos direitos humanos e distribuição das riquezas.”

Para finalizar, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, cabe ainda a pergunta inicial: nós ainda temos no Brasil, no mínimo, segundo os especialistas trinta povos que o branco não contatou. Há trinta tribos em algum recanto do Brasil e que ainda não chegou o branco, trinta núcleos de civilização que estão à mercê dessa política. E esse tema: índio e negro, é um tema que - é engraçado isso - que todos reconhecem como assim: como foram massacrados, explorados, mas a sociedade teima em assim deixar.

Como essa Sessão hoje também é um momento de reflexão, nós puxamos essa reflexão. Será que daqui a alguns anos, nós ainda vamos no Dia do Índio, da Lei Áurea, do Ventre Livre fazermos comemorações por esses crimes e essas injustiças cometidas? Por que é assim? Será que é por que nós brancos ainda não tomamos a consciência de que na verdade fomos trazidos para cá não para a formação de um estado, não para a formação de um país, mas para conter uma ameaça que era latente a época em que os negros iriam tomar as rédeas do poder deste País. Se nós não nos convencermos desse fato histórico de que todos europeus que vieram para cá, na verdade, fomos trazidos para barrar o avanço das populações negras e indígenas em direção ao poder e à maior liberdade, nós, certamente, ficaremos mais cem, duzentos anos, só comemorando esse estado de coisas, nessas datas que são festivas para uns e tristes para outros. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Gostaríamos de registrar a presença do Vice-Prefeito José Fortunati; do Sr. Waldir Bohn Gass, Presidente do Partido dos Trabalhadores aqui no Município de Porto Alegre; do Coordenador da exposição Apesar dos Quinhentos Anos, Profº José Otávio de Souza; do Fórum de Articulação das Entidades Negras e Assessoria de Políticas Públicas; dos representantes do Movimento Afro-Descendente e Jornal Consciência; de representantes do Movimento dos Moradores de Rua; dos Conselheiros do Orçamento Participativo; de representantes do Movimento Maria Mulher; de representantes da Consciência Popular do Partenon; do Sr. Eduardo Amaro Radox - Movimento Hip-Hop; de representantes da União de Negros Pela Igualdade - UNEGRO; representantes da Casa do Poeta; de representantes da Cooperativa Visão do Novo Amanhã; de representantes da Reciclagem com Arte Morro da Cruz; das Senhoras Zeferina Maria Paula e Lana Campos e, também, a presença do Ver. Antônio Losada.

Gostaria de anunciar que, após a fala dos Vereadores, teremos a apresentação do coral do CECUNE, com cantigas tradicionais africanas e também do Movimento Hip-Hop, do Radox, que farão apresentações musicais.

O Ver. Elói Guimarães está com a palavra, que fala pelo seu partido, PDT e pelo PMDB.

 

O SR. ELÓI GUIMARÃES: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Outro dia, num debate numa rádio da Cidade, indagaram-me se eu havia comemorado os quinhentos anos do Brasil. De pronto respondi que os havia comemorado criticamente. Essa seria uma rápida reflexão, a pedra angular para algumas reflexões sobre a data comemorada.

Se nós apanharmos os acontecimentos que nos foram trazidos pelos meios de comunicações e pelas informações recebidas, haveremos de concluir que tivemos mais transpiração do que inspiração. Esse é o retrato que me vem à retina sobre os acontecimentos. Quer lá em Porto Seguro, quer em Brasília ou aqui; foram exercícios mais de esforços, e não importa se vêm das autoridades, se vêm desses ou daqueles. A Casa, me parece, retoma essa grande temática para aproveitar esta semana, este mês e este ano para fazermos uma reflexão sobre o Brasil.

O que é o Brasil? O Brasil somos nós! O Brasil está aqui hoje. Olhando as pessoas presentes eu diria que aqui está a síntese do Brasil, que talvez em alguma parte do País não se consiga isso, porque somos um País mestiço, um País moreno. Se percorrermos a costa brasileira veremos que somos um País mestiço, e aqui temos a síntese, pois temos presentes o índio, o negro, os que vieram das correntes migratórias como o italiano, o alemão e o polonês, e nós, mestiços, essa é a grande verdade. Cada um de nós, com raríssimas exceções, carregada nas veias essa miscigenação fantástica que este País produziu. Então eu não diria que somos um povo ordeiro, absolutamente, porque essa é uma conceituação colonialista. Somos um povo bom. É preciso que se estabeleçam essas diferenciações conceituais. Não somos ordeiros, até diríamos que somos um povo rebelde, que se rebela na medida das suas pequenas possibilidades, mas somos um povo bom. Isso faz parte da nossa natureza, da nossa natureza orgânico-psicológica. Exatamente, esse caldeamento é que, talvez, tenha feito com que sejamos um povo com essas características, um povo que consegue conviver diante dessas profundas contradições, imensas contradições.

Então, disse que comemorei criticamente, porque quero aqui destacar o governante do País, da Nação. Nação enquanto gente, enquanto cultura, enquanto território, nação enquanto nós: povo, massa, construtores anônimos deste País. Acredito que é dado ao governo que, cronologicamente, alcançou os quinhentos anos, fazer as suas homenagens, sua ótica ideológica, assim como outros setores, também se expressaram, é necessário produzir o contraponto. Por isso, acredito que esses dois momentos que ficaram, mais ou menos demarcados na memória, na cabeça de todos nós, penso que são positivos, ou até porque decorre daquilo que denominamos a relação do poder, do governo, que alcança um determinado acontecimento e, como tal, deve produzir a sua manifestação. E outros, evidentemente, que têm que expressar as contradições. É um País profundamente contraditório, rico, imenso, grande País que é o nosso. Essa apropriação temos que, permanentemente, fazer: este País é nosso, enquanto Brasil, enquanto Nação, um dia vamos avançar.

Não sou daqueles que acha que somos um amontoado de miséria; acho que temos ilhas de misérias, lamentáveis. Eu jogaria para o mundo. Diria que as ideologias fracassaram no mundo, porque se pegarmos outros países, veremos que o poder, nas mais diferentes formas, dizimou e dizima, pela exclusão social, por um processo cultural de dominação. Então, precisamos encontrar caminhos, fazendo o que estamos hoje, aqui, reflexões sobre o nosso papel, procurando chamar a atenção para as imensas injustiças que foram feitas ao longo da história com o índio, com o negro, e diariamente, contra os pobres, não faz muito, contra a mulher, contra o velho. Há todo um processo mundial. Podemos cotejar esses dados. E não há, infelizmente, um pedaço do território, do universo, da terra onde não estejam-se cometendo injustiças. O homem ainda não encontrou a ideologia, ainda não conseguimos construir um caminho capaz de dar ao ser humano a dignidade que é da sua natureza.

Nós queremos continuar nessa caminhada. Esta Sessão é excelente, a Câmara não poderia deixar passar despercebidos esses quinhentos anos para essa reflexão. Nós temos que colocar os nossos juízos, as nossas opiniões e as nossas contradições. Na história desses quinhentos anos se registraram enormes injustiças, mas tivemos também grandes momentos, mergulhamos em momentos de profunda sombra no campo da democracia, mas também tivemos momentos bons, parece que estamos conseguindo a democracia, pelo menos do ponto de vista da democracia formal, o que já é um avanço.

Haveremos de um dia, sim, conseguir a democracia econômica, social, a igualdade. O Brasil é um povo bom que haverá de descobrir, definitivamente, os seus caminhos, resgatar essa enorme dívida social, essa verdadeira chaga social que nós temos com as pessoas, com as raças já aqui aduzidas. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Esta Presidência quer fazer o registro, no seu entendimento, de ser lamentável que alguns Vereadores desta Casa não possam ter acompanhado esta Sessão. Os Vereadores foram convidados para fazer a sua representação e também para assistir às manifestações e apresentações e, alguns Vereadores já se foram, acredito que pelo avançado da hora. No nosso entender isso traz prejuízo à Sessão. Em nome da Presidência, lamentamos. Mesmo assim, vamos manter as apresentações e a continuação da Sessão, porque achamos que é esse o grande ganho que a Câmara de Vereadores tem, que nós, Vereadores, temos de falar à platéia e, também, ouvir o que as entidades trouxeram para a Câmara dos Vereadores.

 O companheiro Luiz Pilla Vares, que representa o Governador, vai retirar-se desta Sessão, já que tem outros compromissos.

Após o término desta Sessão, será aberta a Exposição “Populações Indígenas no Sul Brasil”, a ser realizada na Avenida Clébio Sória.

O Ver. Reginaldo Pujol está com a palavra, em nome do PFL.

 

O SR. REGINALDO PUJOL: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Hoje eu cogitei, até mesmo em homenagem àqueles que aqui comparecem, de declinar do uso da palavra nesta Sessão, cuja finalidade já está amplamente relatada. Eu tive dúvidas, mas depois resolvi proceder, como sempre procedo na Casa, não deixando de participar de todos os atos que o Legislativo realiza, alguns dos quais coincidentes entre si, que determinam, muitas vezes, situações que são até de certa forma constrangedoras, de não contarmos nesta Casa, com um número de parlamentares à altura da platéia seleta que aqui estamos recebendo.

Eu, que sou um “guasca”, lá da fronteira oeste, que levei muito tempo para conhecer o tamanho do País em que vivo, tinha, quando menino, limitada a minha percepção quanto à extensão do mundo, achando que o que mais distante se colocava da minha Quaraí era um outro País que se colocava do outro lado do rio, a República Oriental do Uruguai. Lembrei-me disso num lampejo enquanto, atentamente, ouvia os belos pronunciamentos que ocorreram, grande parte dos quais convocando os integrantes deste Legislativo a uma reflexão crítica sobre o Brasil nos seus quinhentos anos.

Refleti sobre a minha formação antiga de homem que leu, pela primeira vez, em espanhol para depois conhecer as letras em português, e me veio à memória a lembrança de um pensador espanhol que dizia, com toda a sabedoria, que “nem todos os caminhos são para todos os caminhantes”. E aí, juntando essa frase lapidar com a minha experiência pessoal, senti-me naquela condição do menino que é convidado para ir à festa destinada a um comemoração, e que, nela chegando ou chegando atrasado, percebe que, ou não era o convidado desejado pelos promotores da festa, ou não havia sentido claramente para qual objetivo ele havia sido convidado.

Passado algum tempo, estou hoje aqui como único liberal assumido neste Legislativo, a ouvir de alguns companheiros nossos algumas colocações que me fazem refletir, até mesmo questionar, se os meus antepassados - por exemplo, aquele catalão atrevido, que, no fim do século passado, ingressou no Brasil, vindo da Espanha, penso até que meio fugido, e o fez depois de uma peregrinação pela América Latina, e aquele cristão novo, o Sr. Leopoldo Pereira da Luz, que, ainda no século passado, foi-se instalar lá no fundo da minha Quaraí, - quem sabe, não foram inocentes úteis desta possível manifestação de organização internacional que - valorizando algumas informações que se ouviu, geraria um processo para conter o crescimento e a força política de algumas etnias que compõem esta mescla racial que forma o Brasil moreno a que se referiu o Ver. Elói Guimarães.

Mas, se todos os caminhos são para todos os caminhantes, uma festa oportuniza que todos compareçam pelos mais diferentes motivos. Eu quero, com toda honestidade, dizer que venho a esta reunião, convocada para comemorar a passagem dos quinhentos anos de existência do Brasil, dizer que eu não me vinculo àqueles que, de uma forma tão ácida e tão crítica, culpam os nossos antepassados de mazelas que o mundo da época conhecia e que, no meu entendimento, aqui no Brasil ocorreram até de forma muito diversa e mais qualificada do que em qualquer outro ponto deste vasto território de Deus, que nunca foi ocupado, nem mesmo pelos religiosos, com outro espírito senão o espírito da conquista. Reforça-se dizer, nesta hora, que, ao se fazer este exame crítico dos quinhentos anos de vida brasileira, ao lembrarmos acontecimentos que certamente nós todos não gostaríamos que tivessem ocorrido, estamos incorrendo no grave e lamentável equívoco de injustamente esquecer, apagar, não ressaltar outros tantos acontecimentos que ocorreram neste País e que demonstram, não aquele povo passivo que alguns imaginam que possa ser o brasileiro, por ser sabiamente tolerante, quando as circunstâncias assim o recomendam, mas, sobretudo, por ser um País cuja identidade vêm-se amoldando nos tempos.

Nós ficamos impressionados com o fato de que nós temos cinco séculos de história, quando a humanidade tem milhões de anos de existência. Todos nós sabemos que nossos ancestrais, disse bem um dos oradores que me antecedeu, na grande maioria, nem sequer cogitavam por que vir para cá, ou foram compelidos pela escravidão, pelo degredo, e por tantas outras razões motivadoras da vinda de plêiades de homens e de mulheres que, de todas as raças, de todos os credos, aqui foram-se estabelecendo.

Quero, para concluir, Senhor Presidente - não querendo-me alongar em demasia e, sobretudo, reconhecendo que ainda existem atos a ocorrerem nessa Sessão, cuja protelação se torna uma indelicadeza -, dizer o seguinte: acompanho aqueles que querem, nestes “Quinhentos Anos”, promover uma grande reflexão sobre o País, e o façam com equilíbrio de vida, sem ufanismo exagerado e sem o espírito injusto dos que nada reconhecem de positivo de todo o esforço que milhões de pessoas fizeram, ao longo do tempo, para construir esta Nação. Esta Nação tem todos os contornos que foram descritos, mas ainda é o lugar, falo da minha opção, que eu escolhi como sendo o meu País, o País que eu amo e quero contribuir para fazê-lo forte, solidário, justo, irmão. Esse é o meu Brasil, o Brasil dos “Quinhentos Anos”, o Brasil com o qual sonho, um Brasil politicamente soberano, culturalmente desenvolvido, economicamente livre e, sobretudo, socialmente justo. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): A Ver.ª Helena Bonumá está com a palavra, em nome da Bancada do PT.

 

A SRA. HELENA BONUMÁ: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Começamos agradecendo a presença de vocês nesta Casa, neste dia. É importante para nós, da Câmara de Vereadores, fazermos uma reflexão crítica, conforme outros Vereadores já colocaram aqui, a respeito das comemorações pela passagem dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil.

Em primeiro lugar, não são quinhentos anos, os povos indígenas habitam este País há muitos milhares de anos; depois, não foi descobrimento, foi colonização, foi exploração comercial, foi saque, rapinagem, foi o extermínio dos índios, foi a escravidão dos negros, que vieram para o nosso País trazidos a ferros, em condições completamente desumanas. É completamente paradoxal, se pararmos para analisar o que foi e o que foram, nesses últimos dias, as proposições para a comemoração oficial da festa pela passagem dos quinhentos anos do descobrimento.

Há o enfoque que já foi levantado aqui por alguns Vereadores, ou seja, que estamos recuperando quinhentos anos de opressão, de exploração, quinhentos anos em que o Brasil se insere sem soberania no cenário internacional e tem suas riquezas saqueadas, seu povo explorado e oprimido. Mas penso que, para nós, o momento é de fazermos uma outra reflexão: o que a ação do Estado brasileiro, ao longo desses quinhentos anos, nos trouxe e nos traz e o que isso gera, hoje, concretamente, de realidade para os índios, para os negros, para a maioria da nossa população.

A primeira coisa que temos a resgatar nesse processo é que a formação do Estado brasileiro antecede a sociedade, pois este Estado já se formou patrimonialista, contra os interesse da maioria do povo, já se formou associado e servindo a interesses externos. Isso não aconteceu só em relação ao pau-brasil, ao ouro, à cana-de-açucar - saque e rapinagem -, isso continua existindo. Penso que esse resgate da relação do Estado com a sociedade é um elemento importante, porque o Estado sempre foi apropriado por essa elite e sempre foi um Estado autoritário. O Brasil tem a tradição de tratar suas lutas sociais como caso de polícia e com extrema violência. Isso foi inclusive formulado por um Presidente da República do nosso País, no século XX.

É necessário, portanto, que se compreenda essa dimensão da ação do Estado que hoje assistimos, de forma perplexa, reprimindo violentamente os protestos legítimos do povo brasileiro, das nações indígenas, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, dos diversos segmentos e movimentos sociais organizados, protestando contra a festa do colonialismo, do imperialismo aqui no País, quando este Estado repete a mesma violência. Com relação a essas manifestações, temos que saber fazer este resgate. É impossível que se projetem quinhentos anos para a frente e se possa pensar no futuro se não pensarmos num Estado Democrático com uma relação totalmente diferenciada com a sociedade, onde, de fato, possamos falar em democracia, em justiça, em condições onde as pessoas possam ter suas diferenças respeitadas e possam viver em fraternidade, construindo relações de solidariedade e um outro tipo de sociedade.

Nós já vivemos uma ditadura militar pesada. Muitos de nós, aqui neste Plenário, fomos contemporâneos dessa ditadura, fugimos dela, enfrentamos, resistimos a ela. E nós todos tínhamos a idéia de que a superação da ditadura e a volta do País ao estado de direito nos traria a democracia. Mas é importante que hoje, também, quando nós avaliamos a nossa trajetória de quinhentos anos, possamos perceber que essa democracia não veio; ela não veio do ponto de vista social, porque o nosso País continua em situação social extremamente calamitosa.

Eu trouxe alguns dados, e acho importante refletirmos sobre eles num dia como o de hoje: em 1994, a nossa dívida externa era de 148 bilhões de dólares. Nos últimos quatro anos, nós pagamos 126 bilhões de dólares. Hoje, pasmem, a dívida é de 238 bilhões de dólares. Do Orçamento Federal, em 1999, 64% foi para amortizar a dívida externa e interna, para juros e encargos da dívida. Eu trago esses dados para que tenhamos um parâmetro concreto para pensarmos na situação dos índios, hoje, dos negros e da grande maioria do povo.

É importante salientar que essa situação de exclusão social, vivenciada por todos esses segmentos, não foi vivenciada de forma passiva ao longo da nossa história. A nossa história de quinhentos anos é de luta, de confronto, de resistência, de ousadia, como no Quilombo de Palmares e na Guerra dos Canudos; lembro as mobilizações sindicais que vivemos no século XX; a luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, mais recentemente; a revolta do movimento estudantil, nos anos 70; o novo sindicalismo, as greves, o enfrentamento, a repressão pesada do Estado, que, muitas vezes, ceifou vidas e vidas. Nós temos uma história que, hoje, nos constitui.

Se é verdade que temos uma cultura extremamente rica, fruto de todo esse processo civilizatório - a música, como o Ver. Cláudio Sebenelo referiu aqui; a arte e diversos tipos de expressões culturais; a linguagem, fruto também desse processo de construção do Brasil -, é certo também que, ao longo desse período, essa história se fez como uma história de lutas, de enfrentamentos e da busca da construção de um Brasil alternativo, onde a grande maioria da nossa população tenha vez.

Quando pensamos na situação de hoje, nos festejos que vivemos, é importante que saibamos resgatar essa situação de violência. O Ver. Renato Guimarães refere muito bem, quando diz que a forma como o Estado tratou as manifestações nesta semana foi a forma como o Estado tratou a questão social e as mobilizações sociais ao longo desses quinhentos anos de história, ou seja, com repressão. Quando analisamos essa repressão, vemos que a violência é um dado endêmico na nossa sociedade, ela está entranhada nas relações sociais. Isso não pode ser diferente numa sociedade que reproduz, no seu cotidiano, a desigualdade, a opressão e a exclusão, não há como pensar essa sociedade como fraterna e que tenhamos uma forma de coibir a violência.

A violência, no Brasil, como tem sido resgatada por estudos acadêmicos, pelos movimentos, pelas diferentes denúncias, é, principalmente, praticada pelo Estado, um Estado que, ao longo da sua história, foi anti-social, contra a sociedade, um Estado apropriado, um Estado privatizado, um Estado usurpado a serviço de interesses que não têm sido, historicamente, os interesses do povo brasileiro. Isso pode parecer, num dia de comemoração, uma questão pesada de se levantar, mas, certamente, ela está no cerne da nossa trajetória de quinhentos anos.

É necessário resgatarmos, também, nesses quinhentos anos, a constituição dessa teia de organizações sociais, dessa teia de movimentos, dessa rica herança de resistência e de luta que o povo brasileiro tem, como bem expressaram os índios, os sem-terras e os diversos segmentos da sociedade que se manifestaram e que protestaram contra as manifestações oficiais nesse 22 de abril. Nós somos herdeiros, com muito orgulho, de toda essa tradição, e nós temos a responsabilidade de continuar com essa luta. Portanto, este momento é de reflexão e é para que olhemos de forma extremamente crítica para a sociedade, embora a crítica não atinja a todos de forma igual, porque nós somos diferentes. Nós temos segmentos e organizações, parcelas muito importantes da população sobre as quais não temos poder e não somos responsáveis, em última instância, pelas opções que este País, ao longo do tempo, tem feito.

É importante que se resgate que essa é uma história que tem lados e que nós, para construirmos os próximos quinhentos anos, temos de fazer opções para que lado da história nós estamos. Temos de encarar de frente o nosso futuro. O povo brasileiro, organizado, vai descobrir os seus próprios caminhos. Nós queremos fazer desta terra uma terra de justiça social, de igualdade, uma terra onde brancos, negros, índios, homens e mulheres, todos, sejam respeitados nas suas diferenças e onde possamos falar em democracia, uma democracia social, política e econômica, uma democracia que coloque o Brasil num outro patamar frente à história da humanidade. Esse é o desafio que esta reflexão crítica sobre os quinhentos anos nos deixa. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Convidamos o Movimento Hip Hop para uma apresentação artística.

 

(É feita a apresentação do Hip-Hop, pelo Sr. Eduardo Amaro Radox.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Com a palavra o Sr. Eduardo Amaro Radox, do Movimento Hip-Hop. 

 

O SR. EDUARDO AMARO RADOX: Quero agradecer pela oportunidade de poder estar aqui expressando um pouco da minha cultura, que é a Hip-Hop, que eu aprendi na rua. Graças ao Hip-Hop eu não sou marginal, não sou ladrão, não fumo maconha, não cheiro cocaína, não me drogo, procuro seguir o lado bom da vida. Seria bom que as pessoas que pudessem levar isso para os seus filhos, porque o Hip-Hop não é o que dizem, não é o que falam, que é um bando de neguinho maconheiro, ladrão. Não é assim, é outra ideologia. Nós temos mudado a realidade de penitenciárias, da FEBEM e de muitos outros lugares. Eu gostaria de agradecer, mais uma vez, a Deus, aos meus Orixás, a minha falecida avó que, com certeza, sempre me mandou muita energia e muita força, porque era uma negra descendente de escravos, que lutava, trabalhava e lidava muito com a terra. Eu sei que ela manda essa energia para mim. Obrigado a todos os Orixás, a Deus, a todos vocês, mais uma vez.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Muito obrigado, então, ao movimento Hip-Hop - Radox. Gostaríamos também de fazer o registro de que o Sr. Nilton Rodrigues Paim precisa-se retirar para um outro compromisso. Nós agradecemos pela sua presença.

Passamos a palavra à Sr.ª Maria Rodrigues, que fala como representante do Movimento Popular.

 

A SRA. MARIA RODRIGUES: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Boa-noite à Mesa, boa-noite a todos. Representando os movimentos populares, parceiros da discussão e da construção desse novo modo de governar democrático-participativo.

Gostaríamos que hoje ficasse registrado que estamos, sim, nos “outros quinhentos”, porque somos os resistentes negros, porque somos os resistentes indígenas, porque somos resistentes de gênero, porque somos mulheres, porque somos também resistentes pela sobrevivência no instante em que o DIEESE publica que, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o rendimento real médio dos assalariados negros eqüivale só a 74,5% do rendimento real médio dos assalariados não-negros em funções idênticas.

Gostaríamos que ficasse registrado que, aqui em Porto Alegre, no Orçamento Participativo, especialmente na temática da cultura, os espaços estão abertos permanentemente para que todos os cidadãos, com os seus respectivos grupos, se insiram nesse processo democrático, no qual as mulheres são orgulhosamente a sua maioria.

Quero também deixar registrado que no momento em que se caminha para o desenvolvimento da II Conferência dos Direitos Humanos, que sejam conscientes a sociedade e os governantes, quando da implementação de políticas públicas necessárias para os diversos segmentos sociais.

Para finalizar, lembro palavras de Antônio Gramsci: “Não podemos ser os apenas homens estranhos à cidade, porque, se estamos vivos, não podemos deixar de ser cidadãos e temos de militar pelos movimentos que acompanham a vida, os movimentos populares e participar, todos nós, você, eu, da cidade futura que, dia a dia, estamos a construir”. Muito obrigada.

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Com a palavra o Sr. Fernando Moreira, que fala pela representação do Fórum de Articulação da Entidades Negras.

 

O SR. FERNANDO MOREIRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores; proponentes desta Sessão Solene; companheira Helena Bonumá; companheiro Renato Guimarães; demais autoridades presentes e representantes de movimentos sociais. Eu havia feito um texto, até um pouco burocrático para falar, mas diante das diversas manifestações que me antecederam, algumas, inclusive, questionando a necessidade de uma crítica, ou questionando a necessidade de os movimentos se rebelarem contra as comemorações oficiais, vou citar, deste meu texto, apenas a epígrafe que é uma frase de Gilberto Gil: “A felicidade do negro é uma felicidade guerreira.” Daqui para diante, falarei de improviso, para não deixar passar o que foi dito e para não perder esta oportunidade importante de falar nesta Casa Legislativa.

Uma coisa que talvez não tenha ficado claro para a burguesia branca que aqui se manifestou na palavra de alguns Vereadores - e sabemos que a maioria dos discursos feitos por parte dos brancos, e por parte dos negros também, não são sensíveis aos movimentos sociais - é a necessidade de tornarmos visíveis as queixas da maioria do povo brasileiro, essa maioria que, embora no Estado do Rio Grande do Sul tenhamos dificuldades em perceber, é uma maioria negra e mestiça.

Também há uma necessidade - por isso as queixas, por isso os protestos durante essas comemorações do dia 22 de abril - de lembrarmos que os africanos, ao contrário de muitas outras etnias que vieram para cá, ele não vieram, foram trazidos, depois de seqüestrados do seu lugar de origem, à força, para produzir para os outros. Durante quatrocentos anos os negros estiveram aqui no Brasil produzindo e não usufruindo dessa produção. Foram os únicos braços produtores. Viemos aqui para o trabalho, e não usufruimos do que construímos, e continuamos nessa situação depois de quinhentos anos. Fomos explorados durante esses quatrocentos anos de escravidão e não aproveitamos essa produção que fizemos. Entretanto, as estatísticas são importantes e é importante que se destaque que, no Rio Grande do Sul, representamos 11% da população economicamente ativa, entre os desempregados representamos 20% e, entre a população carcerária representamos 17%. Ficando clara a situação do negro em nosso País e no nosso Estado.

Neste 22 de abril, momento em que relembramos os quinhentos anos do Brasil, é importante que se faça essa reflexão, é importante que se vizibilize a queixa da comunidade negra, que se solidariza com a comunidade indígena, reconhecendo na proposição dos dois Vereadores aqui presentes a importância de se relembrar nesta Casa Legislativa e trazer esse questionamento.

Encerro, dizendo que antes de tudo, ser negro é ser guerreiro, é ser resistente, porque apesar desses quatrocentos anos de opressão e exclusão, resistimos e fizemos com que o Brasil seja reconhecido, hoje, como um País negro. Obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): A Sr.ª Vandelina Voigt, representante da Coordenação Estadual da Central dos Movimentos Populares – Setorial de Mulheres, está com a palavra para recitar uma poesia.

 

A SRA. VANDELINA VOIGT: Boa-noite a todos. Faço uma homenagem a todas as mulheres, para que todas as mulheres brasileiras, guerreiras, sintam-se contempladas, através desta poesia: Margarida.

“As canções que são cantadas,/ olhando o jardim da vida/ são infinitos temas,/ Rosas, Violetas, Margarida. Lilás e a Orquídea, /que fica impregnado na memória / como símbolo de transformação./ Para sermos sujeitos da história./ se mistura, então, as flores,/ nos buquês tão coloridas. / Para lembrar as guerreiras / que perderam até a Vida, / esperando encontrar justiça. / A mulher rural e urbana, / querendo oportunidade,/ e uma vida mais humana./ Aquelas que atuam no Sindicato, coragem e determinação,/ para defender com garra os direitos/ para que não haja exploração./ Meu coração se exprime / enquanto meu corpo tiver vida / para fazer essa homenagem/ à todas as Margaridas”. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Convidamos o Coral CECUNE para uma apresentação.

 

(O Coral se apresenta para cantar um trecho de louvação para Oxalá, o Orixá da criação; ao traduzir em português, seria semelhante a “O Grande Senhor do AXÈ, Meu Pai abra os meus caminhos”. A segunda música, o Hino da África do Sul, que foi o hino do Congresso Nacional Africano. Para encerrar, uma MPB.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Convidamos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Agradecemos a presença de todos e damos por encerrados os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a comemorar a passagem dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil.

 

(Encerra-se a Sessão às 20h28min.)

 

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